A fé, segundo a Bíblia, é definida no livro de Hebreus como “a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” (Hebreus 11:1). Esse conceito abrange a confiança no invisível e na providência divina, guiando os cristãos a crerem em promessas maiores do que aquilo que se pode ver ou experimentar no presente.
No entanto, a fé, quando bem compreendida, não deve ser isolada das ações cotidianas, incluindo a esfera política. É neste ponto que a relação entre fé e política se torna crucial, especialmente para os cristãos que, em diversas ocasiões, expressam reservas quanto à participação ativa na política.
A política, por sua vez, é o meio pelo qual se organizam e governam as sociedades. Trata-se de um conjunto de práticas e instituições voltadas para o exercício do poder, da gestão pública e da organização social. Ela impacta diretamente a vida de milhões de pessoas, sendo responsável pela criação de leis, implementação de políticas públicas, promoção de justiça e bem-estar social. Embora muitos cristãos vejam a política com desconfiança, é inegável que as decisões políticas afetam a todos, cristãos ou não, e a participação ativa nesse cenário pode ser uma forma legítima de expressar e praticar a fé.
Conjugar fé e política pode parecer um desafio, mas, na realidade, ambos os campos podem caminhar juntos quando orientados por princípios éticos e morais. A fé, que nos ensina valores como justiça, amor ao próximo e responsabilidade, pode ser um guia poderoso para uma atuação política que busca o bem comum. A política, por sua vez, oferece o espaço e as ferramentas para aplicar esses valores na sociedade de maneira concreta.
A fé não deve ser vista como um obstáculo à política, mas como uma base moral que oferece uma perspectiva elevada para a tomada de decisões. Em vez de rejeitar a política, os cristãos podem encontrar nela um caminho para exercer sua responsabilidade cívica e promover mudanças positivas.
Isso não significa misturar religião e política de forma fanática ou impositiva, mas utilizar os princípios éticos derivados da fé para atuar em prol de uma sociedade mais justa e equitativa. Diversos personagens bíblicos ilustram a conjugação bem-sucedida de fé e política, demonstrando que é possível ocupar posições de liderança e influenciar o destino de nações sem abandonar os princípios espirituais. Entre esses exemplos, destacam-se:
José do Egito – Vendido como escravo pelos próprios irmãos, José chegou a ocupar o cargo de governador do Egito, o segundo mais importante do país, após interpretar os sonhos do faraó e prever um período de fome. Sua sabedoria e fé permitiram que ele salvasse não só o Egito, mas também sua própria família da fome. José é um exemplo claro de como a fé e a capacidade política podem transformar crises em soluções para o bem-estar de uma nação.
Rei Davi – Davi é uma das figuras mais emblemáticas da Bíblia. Ele foi pastor de ovelhas, guerreiro e, posteriormente, rei de Israel. Sua liderança foi marcada por profundas expressões de fé, como a derrota de Golias, e também por erros humanos, como o episódio com Bate-Seba. No entanto, sua relação com Deus e o arrependimento constante moldaram seu reinado. Davi mostra que a liderança política, quando orientada pela fé, pode buscar a justiça e o arrependimento, sendo uma força de transformação.
Profeta Daniel – Daniel foi uma figura proeminente no governo da Babilônia, servindo a vários reis. Mesmo em um ambiente pagão, ele manteve sua fé inabalável, como demonstrado ao orar mesmo sob a ameaça de ser jogado na cova dos leões. Sua sabedoria e caráter íntegro fizeram com que ele fosse altamente respeitado no governo, provando que é possível ser fiel a Deus mesmo em cargos de alta responsabilidade política.
Profeta Moisés – Moisés é um dos maiores líderes da história bíblica. Ele conduziu o povo de Israel da escravidão no Egito à liberdade, liderando-os por 40 anos no deserto até a Terra Prometida. Além de ser um líder espiritual, Moisés foi também um legislador e mediador, guiando a formação de uma nação sob os princípios da justiça e da lei divina. Sua liderança combinou fé e política de maneira exemplar, demonstrando que é possível liderar politicamente sob a direção de Deus.
A conjugação de fé e política exige uma responsabilidade ainda maior para aqueles que exercem funções públicas. Governar ou legislar com base em valores éticos, muitas vezes derivados da fé, significa estar comprometido com a verdade, a justiça e o bem comum. O envolvimento político de pessoas com fé não deve ser encarado como uma busca de privilégios ou imposições religiosas, mas como uma forma de servir à sociedade de maneira íntegra.
A presença de políticos que agem sob princípios de fé oferece a possibilidade de uma política mais ética, comprometida com a dignidade humana e a justiça social. No entanto, a fé também exige um senso de humildade e prestação de contas, reconhecendo que o poder político é temporário e que todos, inclusive os governantes, estão sujeitos a uma autoridade maior.
Embora muitos cristãos relutem em participar ativamente da política, a história bíblica nos ensina que fé e política não precisam estar em oposição. Pelo contrário, quando bem orientadas, podem ser forças complementares para promover o bem-estar de uma nação. Exemplos como José do Egito, Davi, Daniel e Moisés mostram que é possível liderar politicamente sem abandonar os princípios de fé, e que essa conjugação exige uma responsabilidade ainda maior para garantir que o poder seja exercido com justiça e integridade.
Em um mundo onde a política muitas vezes se distancia de valores éticos, a presença de líderes que agem com fé pode trazer uma perspectiva renovada, pautada pelo compromisso com o bem comum e a dignidade humana. Afinal, é pela política que se define o destino de milhões de pessoas, e a fé pode ser uma poderosa aliada na construção de sociedades mais justas e compassivas.
Ronaldo Morenno é empresário, político, reverendo, escritor, articulista, conferencista e jornalista profissional, além de ex-comentarista político em telejornal. Com uma carreira de mais de 35 anos dedicada à análise e atuação no cenário político, possui ampla experiência e conhecimento em questões políticas nacionais e internacionais.